Um dos maiores pecados
que alguma vez cometi enquanto criança foi não obrigar a minha mãe a comprar-me
a versão clássica de Walt Disney desta fábula. Crucifiquem-me à vontade, mas
todos fomos miúdos e cometíamos erros! Com isto em mente, passemos então à avaliação
da «sequela» realizada por Tim Burton.
Alice (Mia Wasikowska)
cresceu e está noiva de um bartolão sem imaginação: ora, obviamente que ela
repudia esta ideia. Despropositadamente, aparece um coelhinho branco que a leva
a uma terra encantada que há muito esqueceu. Mas «eles» não a esqueceram.
O realizador californiano
é conhecido pelo seu estilo visual inconfundível e pela criação de uma panóplia
de personagens bizarras e esquizofrénicas que acabam sempre por ter o cunho do
amigo Johnny Depp e da sua mulher, Helena Bonham Carter. «Alice in Wonderland»
não se desvia um milímetro do que costuma ser o trabalho habitual de Burton,
sendo por isso garantida uma viagem alucinogénica a um universo fantástico
repleto de entretenimento versátil e excêntrico.
Não é um filme que agrade
a todos: longe disso. Muitos dos críticos mais agressivos afirmam que a cena do
futterwacken, entre outras, é a pedra tumular na carreira de todos os
intervenientes. Esses mesmos críticos, provavelmente, já enterraram a sua
criança interior há muito tempo. Ainda estão a tempo de ir roubar uma
retroescavadora e desenterra-la: o filme só começa às 18.
Wasikowska no papel
principal, é como Jamie Foxx em «Django Unchained»: mostra todos os sinais de
entendimento da sua personagem, mas acaba por ser suplantada por uma imensidão
de personagens secundárias muito mais interessantes e jocosas. É inútil
descrever Depp no papel icónico do Chapeleiro Louco: tem que ser experienciado.
No entanto, irrita-me o facto de um actor com tanto talento, ter-se fundido
intimamente a uma personagem, ao ponto de todas as suas performances futuras
ficarem manchadas. Não fosse pela maquilhagem, efeitos especiais e sotaque
irlandês estaria a olhar para o pirata mais famoso da história do cinema.
O resto do elenco é
charmoso a um nível merecedor de qualquer clássico Disney: Carter como a rainha
de Copas é ameaçadoramente hilariante; Anne Hathaway parece estar sempre a
gozar com toda a gente; Rickman tem a voz perfeita para uma lagarta
apanhadíssima por «bolota» (por mais estranho que possa soar), assim com
Michael Sheen, Stephen Fry e Timothy Spall. Embora breve, como a maior parte
das suas actuações mais recentes, a passagem de Christopher Lee revela-se como
uma das preciosidades deste filme; qual presságio, anunciando o futuro papel de
Benedict Cumberbatch como um certo dragão...
«Alice» não é de todo um
marco histórico da 7ª arte. É colorido, divertido e acriançado. Tem o conteúdo
e tom correcto para alegrar toda a família num dia cinzento como o de hoje.
Comédia, acção, aventura, emoção: tudo em doses ligeiras que não magoam os
sentimentos de ninguém. Tem inconsistências, muito devido à ligeireza com que
aborda a história, nunca tentando ser mais do que aquilo que deve.
A aleatoriedade com que a
lógica de «Wonderland» é promulgada encanta-me profundamente: talvez porque ainda
espero o dia em que o mundo se lembre do que perdeu ao deixar para trás as
cores e magia dos desenhos animados.
A última cena, que pouco
tem sido debatida, tem um significado muito apropriado para o Natal: Alice
tinha-se esquecido da sua primeira viagem. Como um adolescente que vai deixando
para trás a sua infância, tentando afirmar-se enquanto adulto. Mas uma vez
confrontada com os problemas dos crescidos, procura conforto no único período
em que foi livre e feliz, descobrindo a maneira certa de encarar o futuro: com
as suas memórias sempre presentes.
Simon Says that this movie is…
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