A falta de criatividade no cinema dito “mainstream” é uma virose. O público queixa-se da imparável corrente
de super-heróis e que “só os filmes dos Óscares
é que valem a pena”.
Basta observar os filmes nomeados para o prémio de “Melhor
Filme do Ano”, incluindo o vencedor (Spotlight), para nos apercebermos das
“categorias universais” em que estão inseridos:
1- Os que abordam assuntos relevantes de uma
maneira politicamente correcta;
2- Os biópicos crus com que o(s) protagonista(s)
ganha(m) prémio(s);
3- As adaptações de best-sellers por parte de
realizadores famosos;
4- Franchises que (salvo raríssimas excepções) só
são nomeadas para prémios técnicos;
5- O outsider que claramente não se encontra em nenhuma
das anteriores categorias.
O ano de 2015 foi extraordinário devido aos 3 nomeados para
Melhor Filme que podiam ser colocados na categoria 5: Whiplash, Boyhood e The
Grand Budapest Hotel.
O problema? Em 2016 não houve nenhum.
Ainda que originalidade nem sempre seja sinónimo de
qualidade, alguns dos títulos mais criativos do ano passado ficaram reduzidos a pouco mais do que uma nomeação ao prémio de
Melhor Argumento Original. Falo em Inside Out e Ex Machina.
Se o primeiro já se tornou num chavão para todos os
psicólogos do mundo, o outro tem todos os ingredientes necessários para ser um
clássico de culto: 3 performances centrais electrizantes, uma realização
exasperante e uma premissa perturbadoramente fascinante.
E ainda assim, foram “deixados
de lado”.
Isto não é um artigo dedicado ao boicote dos Prémios da
Academia: apenas um apelo para não nos deixarmos enfeitiçar pelo que aparece
mais vezes na televisão ou nas redes sociais. O cinema, como qualquer arte, tem
o poder de nos abrir os horizontes e levar muito para lá da imaginação. De
colocar o dedo nas feridas da Humanidade e mostrar-lhe um espelho.
O facto de o fazer de uma forma original evidencia a
fertilidade da nossa raça no que a ideias diz respeito, numa era em que tudo é
rápido e facilmente consumível. O facto de as questões não serem sempre as
mesmas demonstra a nossa necessidade de evolução. O facto de criarmos algo novo
mostra que não estamos mortos.
The Lobster, estreia de 2015 do realizador grego Yorgos
Lanthimos, conta a história de um futuro onde cada ser humano tem 45 dias para
encontrar o amor da sua vida ou será transformado num animal e levado para a
floresta.
Frank, de Lenny Abrahamson que estreou em 2014, mostra-nos a
jornada de um jovem músico e da banda a que se junta: os Soronprfbs. Encabeçada
pelo enigmático vocalista mascarado Frank, a banda, a arte e os seus membros
irão ser colocados à prova.
Estes dois filmes são exemplos recentes de como a 7ª arte
pode e deve causar desconforto, pontos de interrogação e sentimentos ambíguos.
São mais do que entretenimento: são experiências que nos abrem meandros pela
mente fora.
Este artigo não é um pedido de boicote ao cinema industrial.
É sim um apelo à experimentação de fórmulas novas. Se vemos o mesmo, ouvimos o
mesmo e pensamos o mesmo, como podemos esperar que o mundo mude para algo completamente diferente?
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