Há certos filmes… Há certos filmes que não deviam ter esse
nome.
Há determinados realizadores com objectivos tão diferentes
dos seus colegas que merecem estar num panteão diferente: Terrence Malick,
Andrei Tarkovsky, Ken Russel… Stanley Kubrick.
Jonathan Glazer, realizador britânico de 49 anos, atinge
esse patamar com «Under the Skin».
Não vi nenhum dos seus filmes anteriores («Sexy Beast» e «Birth»),
mas após esta «experiência» estou definitivamente tentado em fazê-lo: embora
ache que vá precisar de vários meses de preparação emocional.
Antes de começar a escrever sobre a película em si, quero
clarificar algumas coisas:
1ª- Eu não percebi tudo, por isso o que eu escrever é pura
especulação e condicionado à minha experiência pessoal;
2ª- Aqui não encontrarás a spoilers, apenas pistas;
3ª- Eu só vi «Under the Skin» uma vez e não me sinto
minimamente preparado para o fazer novamente.
Scarlett Johansson encarna um ser inteligente, que vagueia pela
Escócia à procura de homens: homens de todas as formas e feitios; homens cuja
única coisa que têm em comum é a tesão que sentem pela misteriosa morena.
Ela sedu-los e eles entregam-se de corpo e alma. Os homens
são tão fáceis… Aliás, a maioria dos homens com quem a vês a falar não são
actores: são apenas transeuntes captados em camaras ocultas.
Sim, existem pessoas no mundo que não conhecem a «Viúva
Negra», deal with it!
O efeito Scarlett está aqui no seu auge: sensual, mas não do
tipo que vemos em «Don Jon». É uma sensualidade… à falta de melhor termo,
alienígena. É o tipo de gaja que passaria na rua e só olharias pela maneira
esquisita como se comporta/veste: mas quando lhe metes os olhos em cima, já não
os queres tirar.
Johansson tem surpreendido pela sua contínua evolução, e
aqui «veste uma pele» completamente diferente de todas as outras. A sua
personagem está em constante observação, como se tentasse aprender e
compreender o que a rodeia: e no entanto esta aprendizagem é quase
irreflectida.
O seu olhar é o de quem observa distraidamente uma formiga,
e, sem se aperceber, está a decorar-lhe os movimentos e a antecipar para onde
vai. E mal dá por si, começa-se a sentir uma formiga…
A fotografia (embora de qualidade inegável, e com alguns
pormenores técnicos exímios) é completamente dependente da banda sonora. A alma
desta obra é o raio das cordas violentas e aterradoras com que a compositora
Mica Levi nos assalta a mente e o coração: não te consegues sentir a salvo com
este tipo de música a brindar-te os ouvidos.
O medo entranha-se para não mais sair.
«Under the Skin» tem várias cenas incrivelmente difíceis de
não desviar os olhos, ou pelo menos sentirmo-nos em puro desespero. Não é um
filme de terror que te tente enojar ou um thriller que te prenda com cenas de
ação de alto risco: é sim uma mistura de incompreensão, perigo realista e
aquela banda sonora do demónio…
Sentimo-nos, literalmente, a sufocar debaixo de tantos
possíveis contornos que esta odisseia pode ter: e no entanto, a sua conclusão
deixa-te um sabor tão amargo na boca que rapidamente te apercebes que a
lealdade que sentes, tal como as cordas que vais ouvindo, teve uma alteração a
princípio subtil, mas depois flagrante.
Tão flagrante que talvez te deixe à beira das lágrimas.
Já anteriormente utilizei a metáfora da quiche: se tivesse
que juntar uns quantos ingredientes para que o resultado fosse «Under the Skin»
seria «O Corcunda de Notre Dame» da Disney, combinado com «The Devils» de Ken
Russel e «2001: A Space Odissey» de Stanley Kubrick.
Ácido, eu sei… Mas nem só de doce a nossa alma se alimenta.
«Under the Skin» não é uma obra convencional: aliás, tal
como disse ao principio, há certos filmes que não deviam ter esse nome. Este é
um deles.
Talvez esta não seja a experiência que estás à procura: é
cheia de metáforas visuais, um estilo de suspense doentio, com pouco diálogo e
nenhuma acção.
No entanto, se estás à procura de uma obra de arte que te
faça pensar no porquê de aqui estarmos e sermos o que somos, «Under the Skin»
pode ser exactamente aquilo pelo que esperavas.
Pelo arrojo na realização, pela performance enigmática de
Johansson, pela banda sonora que (certamente) se tornará lendária e um conteúdo
completamente diferente de tudo o que podes encontrar nos cinemas hoje em dia…
Sabem que mais? Recuso-me a criar um status quo nas minhas
críticas.
A partir de hoje, todas as películas cujo objectivo seja
criar uma obra de arte contemplativa, que quebrem os modelos convencionais e
que façam cada espectador sentir que aquela experiência foi só e apenas sua,
seja em que altura da sua vida a observar, terá a mesma avaliação que este
filme.
Ou seja,
Simon Says that this movie is…
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