terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Crítica - Ninho - 2017 - João P. Nunes

O cinema é um lugar onde não há barreiras. Sabes qual é o único outro lugar com essa mesma característica? O sonho. É algures entre essas duas moradas que se situa Ninho, a mais recente curta-metragem do realizador João P. Nunes.

Numa das ilhas da Ria Formosa mora um rapaz (Leandro Morais) cujo sonho é viajar até à cidade: o “paraíso” de luz do outro lado da Ria. Circunstâncias infelizes fazem-no chegar à terra prometida: e nem tudo será como ele espera.



Uma sinopse simples para descrever um filme cuja narrativa está enraizada na luta verdadeira dos moradores das ilhas da Ria Formosa: um local com que o realizador tem uma conexão nostálgica que expõe de forma grandiosa. Aliás, basta olhar para qualquer um dos teasers que foram lançados para perceber que grandioso é apenas um dos adjectivos que posso usar para descrever esta curta-metragem: e mais particularmente a sua fotografia.

As cenas na ilha são representadas de forma paradigmática (quer em termos de edição, quer em termos de interpretação) quando comparadas com o resto do filme. Reina a calma, o pacifismo e a estabilidade: tudo coisas que com o passar dos anos o ser humano começa a admirar de forma diferente. Muito para lá de uma jornada literal, Ninho aspira (e consegue) ser uma metáfora colorida sobre uma geração que se perdeu em sonhos e, quando confrontada com a realidade, apercebe-se de que tem de lutar pelo que (se) perdeu.



O filme podia ser perfeitamente dividido em 3 atos, sendo o 2º o mais marcante. É neste que se pode observar o alcance criativo do realizador e da sua equipa. Raramente se vê cinema português a ostentar tantas vertentes artísticas com orgulho: mas aqui está a prova de que é possível, mesmo com um orçamento limitado, fazer-se cinema entretido, relevante e memorável. Não obstante, a exploração em demasia desta vertente mais metafórica pode levar a um dissolver da sua mensagem, personagens e narrativa.

Numa entrevista que lhe fiz há quase 2 anos, João P. Nunes falava em Alejandro Jodorowsky e, principalmente, em Terry Gilliam como os seus principais influenciadores. Ora, se em Pela Boca Morre o Peixe e Do Céu Já Não Caem Lágrimas a herança do chileno foi mais que clara, Ninho (nomeadamente o tal 2º ato) é nitidamente uma explosão de música, dança e filosofia ao bom estilo do Monty Python



Esta curta-metragem foi um sonho partilhado por muitas pessoas que acreditaram nas ideias da campanha de crowdfunding desenvolvida por esta equipa. A versão a que tive acesso não é a final: no entanto está polido e trabalhado o suficiente para agarrar a atenção e não a largar até ao fim. É uma visão muito interessante e criativa em relação a um tema pertinente: uma prova de que estes jovens talentos ainda têm muito para dar e um mundo de possibilidades para explorar.


Só é preciso que os deixem procurar do outro lado da Ria.