sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

A SÉRIE PARA TI! - UTOPIA

Culpo os cromos do mundo.

Culpo-os por existirem e não falarem. Culpo-os por estarem de barriga para o ar à espera da vida que sempre sonharam. Culpo-os (por vezes) por trabalharem demais e deixarem o que é importante de lado. Também os culpo por pintarem um mundo cheio de cor e magia, desaparecendo em seguida numa névoa de confusão.

Utopia é uma série sobre cromos: cromos como tu, cromos como eu. Pessoas «sem problemas suficientes» na sua própria vida, por isso vão arranjá-los lá fora. Mas se és verdadeiramente um cromo, sabes que meter a cabeça fora da toca, cheirar o ar puro e queimar os olhos na luz solar dói.

É melhor trazeres uns óculos: Utopia pode cegar-te.


Quando um grupo de zé ninguéns encontra uma novela gráfica que, supostamente, contém pistas para a maior calamidade do nosso século, começam a ser perseguidos por uma panóplia de personagens bizarras e psicopatas.

Os méritos desta série vão muito para lá do clássico «efeito heroína» que as grandes séries injectam na tua corrente sanguínea: tudo em Utopia explora o conceito de BD realista. Com claras influências do (também) britânico Edgar Wright, a cinematografia de toda esta série é simplesmente orgásmica.

A composição dos planos é tão meticulosamente preparada que até mete nojo. Tudo, desde as cores, passando pelo movimento, até aos objectos que separam os corpos são planeados e executados de forma imaculada. Embora adore Firefly, Fargo, True Detective e Breaking Bad, arrisco-me a dizer que Utopia é a mais bonita de todas elas.


Antes de me crucificares vê a série.

A excelente banda-sonora nunca te acalma: deixa-te alerta. Como se o perigo pudesse aparecer de qualquer lado, de qualquer pessoa, em qualquer altura, de forma completamente aleatória.

Guess what? Pode mesmo.

Uma bíblia das teorias da conspiração, Utopia dispara em todas as direcções desde o primeiro episódio. Achas que a Cowspiracy era má? Espera até ouvires o resto.

Espera até ouvires um serial killer sem remorsos argumentar RAZOAVELMENTE com uma mãe as vantagens de cortar a garganta ao filho constipado. Espera até perceberes a facilidade com que podemos ser influenciados. Aliás, não esperes.

Queres mais motivos? Que tal humor negro imprevisível e dependente da interacção entre personagens? Uma espécie de Star Wars mais mórbido e passado na Grã-Bretanha contemporânea. Muito ao género de Frank (filme de 2014 com Michael Fassbender e Domhnall Gleeson) onde são os intervenientes e as suas acções que guiam o enredo e não o contrário.


Será de estranhar que as produções britânicas tenham TÃO melhor qualidade que grande parte das americanas? Os escritores parecem estar muito mais cientes que as grandes histórias partem das personagens e não o contrário. Enfim, são opções…

A extrema violência da série condenou-a a um cancelamento prematuro (só tem duas temporadas de 6 episódios cada).

Isto poder-me-ia deixar triste, não fosse pela mais maravilhosa notícia: David Fincher, um dos melhores realizadores vivos, irá dirigir uma adaptação de Utopia para a HBO (Game of Thrones, Boardwalk Empire, The Wire, etc…). Com um argumento assinado pela escritora de Gone Girl (o mais recente sucesso do cineasta), esta pode vir a ser uma das mais fascinantes adaptações televisivas de todos os tempos.


Utilizando o exemplo da quiche:

Tarantino + Fincher + Edgar Wright = Utopia


Se isto não te soa brutal e imperdível, acho que não tens direito a opinar sobre nada na vida. Just kidding, mas a sério: mete uns óculos e vai à procura dela lá fora. Pode ser que nunca mais queiras largar essa croma.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Crítica - Whiplash - 2014 - Damien Chazelle

“Quero ser o melhor.” Esta é uma história familiar: e no entanto, a força estratosférica com que este meteorito de sensações penetra e se enraíza na alma humana é inimaginável. Quem diria?

Andrew Neimann (Miles Teller) é um jovem baterista que espera vingar no meio musical. Terence Fletcher (J.K. Simmons) é um conceituado professor que o convida para tocar na sua banda. Ambos têm sonhos que os colocam em rota de colisão. E a partir daí, como diria Lars Von Trier, o caos reina.

O realizador Damien Chazelle inspirou-se nos seus anos de secundária para escrever o multipremiado argumento de Whiplash – Nos Limites, a sua segunda longa-metragem. Passando por alguns problemas de financiamento, o filme surgiu em 2013 no Festival de Sundance, no formato de curta-metragem. Tendo arrecadado o prémio do Júri para Melhor Curta Ficcional, foi finalmente conseguida a soma necessária para a produção da longa-metragem que chega agora aos cinemas portugueses.

Whiplash – Nos Limites é um filme muito ciente de si próprio, e, com efeito, sabe as sensações que deseja provocar na audiência. Chazelle tem uma visão extremamente aflitiva em relação às pessoas que habitam no seu ecrã: os pequenos detalhes não são descartáveis, as respirações e os olhares acumulam-se para enfatizar a construção das personagens. O timing e a maneira graciosa (mas rude) com que o montador Tom Cross constrói cada sequência é absolutamente fenomenal, sendo apenas comparável à deliciosa fotografia de Sharone Meir.


O resto da critica pode ser lida aqui. Mas que fique desde já esclarecido que Simon Says that this movie is...


domingo, 11 de janeiro de 2015

TOP de filmes c'u Buraco viu em 2014


Oi. Devido à quantidade exorbitante de filmes fixes que vi em 2014, decidi não destacar menções honrosas e focar-me nos vinti melhores.

Alguns que dava como certos nesta lista demonstraram-se uma decepção enorme *cofHobbitcof*. Por não conseguir arranjar lugar para outros cortei os pulsos ontem à noite. Com a minha almofada. Doeu.

Entretanto, só para que fiquemos esclarecidas, 2 apartes:

- para a minha lista dos 10 melhores filmes que saíram em 2014 terás de consultar este link do Espalha Factos;
- esta lista é feita com base no feeling “gostei mais de ver este do que este”. Tão simples quanto isso, por isso a habitual argumentação de “Ah e tal…” não funciona. Acho eu.

E sem mais demoras, aqui fica O TOP DE FILMES C’U BURACO VIU EM 2014!


#20


The Apartment – 1960 – Billy Wilder

Com uma inteligência que já não existe nas comédias contemporâneas, esta é uma obra intemporal que me fez rir alarvemente. Jack Lemmon é o protagonista de um conto de fadas passado na década de 60: há o príncipe, a princesa, o vilão e o “castelo” onde estranhos acontecimentos têm lugar. E, tirando o imóvel, os arquétipos podem não ser bem o que estás à espera.


#19


The Hustler – 1961 – Robert Rossen

Numa das melhores performances que já vi na vida, Paul Newman dá vida a “Fast” Eddie Felson, um fantástico jogador de pool que sonha em derrotar o campeão Minnesota Fats. O argumento, baseado no livro de Walter Tevis, é um enorme estudo da personagem principal, levando-o numa jornada imprevisível, onde é posto à prova por inúmeras adversidades. Com um protagonista tão forte e soberbamente estabelecido, não admira que Martin Scorcese tenha realizado uma sequela (The Color of Money) 25 anos depois.


#18


Gravity – 2013 – Alfonso Cuarón

Considerado um dos filmes mais sobrevalorizados da década por muitos críticos, este é, contudo, uma das experiências mais arrebatadoras de que tenho memória. Cuarón não estava a tentar criar uma história nova e complexa, mas sim transmitir alguns dos mais puros sentimentos inerentes a qualquer ser humano. Executado com uma mestria inolvidável, interpretado magicamente por Sandra Bullock e dispondo de uma banda sonora fortíssima, esta será sempre uma das mais apetecíveis montanhas russas que podes ter em casa. A crítica a este filme pode ser lida aqui.


#17


X-Men: Days of Future Past – 2014 – Bryan Singer

O filme para o qual tinha mais expectativas em 2014 não desapontou. Com um elenco orgásmico (onde constam nomes como Michael Fassbender, Hugh Jackman, Peter Dinklage, Jennifer Lawrence, Ian McKellen, Patrick Stewart… Tenho mesmo de continuar?!) e uma realização focadíssima, este é um dos melhores filmes de super-heróis alguma vez feito. As doses certas de humor, as doses certas de drama e acção, para além de uma certa cena em slow-motion que ficará para a História, justificam plenamente um lugar nesta lista. A crítica a este filme pode ser lida aqui.


#16


La Piel que Habito – 2011 – Pedro Almodóvar

Não sou muito proficiente na obra do realizador espanhol: no entanto, é impossível negar a mestria com que confecciona este filme. A história, embora surrealista, tem uma carga emocional e crítica de uma intensidade estratosférica. As imagens são delicadas, contrastando com a brutalidade que testemunhamos. As interpretações são deliciosamente ambíguas. Se nunca experimentas-te um filme de Almodóvar, este talvez seja um bom começo.


#15


Sex, Lies and Videotapes – 1989 – Steven Soderbergh

A primeira longa-metragem deste soberbo realizador é a prova de que com pouco é possível fazer muito. Provocador, inteligente e sem medo de orquestrar uma fantasia intimidadora para qualquer relação, Soderbergh apoia-se nas interpretações sensuais das suas protagonistas, no multifacetado James Spader e num argumento genial. Se achas que a tua cara-metade é “meh…”, vê este filme: pode ajudar a repensar cenas.


#14


Under the Skin – 2013 – Jonathan Glazer

Sem medo de errar, sem medo de destruir e assustar, Under the Skin é uma das mais profundas experiências do ano. Embora os media tenham publicitado o filme como “A Scarlett Johansson aparece nua neste!”, quem sabe de cinema viu-o por razões diferentes. Viu-o para ter uma experiência que os faça reflectir sobre mais do que simplesmente mamas e rabos. Uma história intrigante, uma banda sonora assustadora e uma interpretação magnífica fazem deste, um dos melhores do ano. A crítica a este filme pode ser lida aqui.


#13

Matchpoint – 2005 – Woody Allen

Scarlett faz um double kill nesta lista. Woody Allen é conhecido pelos seus romances divertidos, diálogos inteligentes e filosofia conjugal impiedosa. No entanto, embora Matchpoint tenha essas características, o enredo aventura-se para lá dessas fronteiras. Enquanto sucessor espiritual de Crimes and Misdemeanors esta é uma fábula negra, levando as suas personagens de um extremo ao outro da paixão e da ganância. Uma verdadeira obra-prima do mestre norte-americano.


#12


Interstellar – 2014 – Christopher Nolan

Épico. Messiânico. Inovador. Emocional. Todas estas são características de um dos filmes mais polarizadores do ano. Independentemente das suas falhas, Interstellar é uma experiência. Não pode ser definida em apenas meia dúzia de linhas: tem que ser vivida. Há várias coisas que te podem levar a vê-lo: a interpretação de McConaughey, os efeitos especiais, a ficção científica… Mas seja qual for o motivo pelo qual o vejas, podes ter a certeza: no final vais achar que essa era só a ponta do iceberg. A crítica a este filme pode ser lida aqui.


#11


A.I. Artificial Intelligence – 2001 – Steven Spielberg

As impressões digitais do meu realizador favorito, Stanley Kubrick, estão por todo lado nesta magnifica odisseia. A história de um menino-robô que ama de verdade é ternurenta, repleta de suspense, acção e uma conclusão que derreterá muitos corações. Embora a premissa soe a um Pinóquio do séc. XXI, é muito mais do que isso: é um estudo sobre a própria Humanidade, uma visão futurista da nossa sociedade e, sobretudo, um conto de fadas em que nada é impossível. Basta acreditares com todo o teu coração.


#10


Ghost in the Shell – 1995­ – Mamoru Oshii

Acção hardcore e filosofia enzebrada. Faz-te lembrar alguma coisa? Ghost in the Shell é o anime que inspirou The Matrix: e o que o filme dos irmãos Wachowskis tinha de bom, este tem de melhor. Sem as barreiras do “mundo físico” para o limitar, Mamoru Oshii oferece uma experiência repleta de voltas e reviravoltas no enredo, lutas imaginativas mas centradas na realidade que cria e uma premissa que promete abrir uma nova janela na tua mente. Acredita: se há um filme nesta lista que pode alterar a tua maneira de ver o futuro, é este.


#9


Crimes and Misdemeanors – 1989 – Woody Allen

Allen não tem pudor na escrita. Crimes and Misdemeanors conta várias histórias que (surpreendemente) não se interligam, mas preenchem lacunas umas nas outras. Relações entre vários tipos de pessoa e o que as (con/de)strói estão sobre um escrutínio impiedoso: e, como é costume de Woody, podes acabar por te ver reflectido na obra. Uma crítica a Deus, uma crítica ao Homem e uma crítica ao próprio público.


#8


Blue Valentine – 2010 – Derek Cianfrance

Cianfrance é um dos melhores realizadores no activo e este foi o seu primeiro sucesso. Usando a camara para imprimir realidade às acções dos seus actores, deixa-os fluir com uma naturalidade tocante. Não estás a ver personagens, mas sim pessoas que se apaixonam, discutem e reconciliam. A fotografia é deslumbrante, as interpretações de Ryan Gosling e Michelle Williams são perturbadoramente comoventes e a banda sonora… Oh, a banda sonora. Este é o melhor drama lamechas que podias encontrar.


#7


Filth – 2013 – Jon S. Baird

Quero aproveitar e mandar as distribuidoras pastar por não fazerem este filme passar nos cinemas portugueses… James McAvoy é um polícia alucinado, drogado e esquizofrénico. Com esta premissa estás a imaginar uma comédia negra ao estilo American Psycho, certo? Pois, é isso mesmo: só que com uma base sentimental incrivelmente consistente e emotiva. Uma banda sonora deslumbrante, uma performance espectacular, uma história fortíssima… O que podias pedir mais? A crítica a este filme pode ser lida aqui.


#6


The Searchers – 1956 – John Ford

Duas lendas dão vida a este clássico: um atrás e outro à frente da camara. John Wayne é um homem cheio de cicatrizes na alma que tenta “encontrar” a expiação para os seus pecados. Esta é uma magnífica exploração dos relacionamentos e psicoses humanas: o facto de haverem índios e coboiadas é apenas um meio para atingir um fim. Com uma fotografia maravilhosa, este é um filme poderoso em todos os sentidos da palavra. A crítica pode ser lida aqui.


#5


Boyhood – 2014 – Richard Linklater

Ao longo de 12 anos este foi apenas um sonho. Ao longo de 12 anos esse sonho foi sendo construído. Hoje é um dos melhores filmes de todos os tempos. A história não tem nada de extraordinário: mas o facto de acompanhar o crescimento (LITERAL) de um miúdo e seus pais à medida que descobrem quem são é o que torna Boyhood, indiscutivelmente, num clássico. Carregado de nostalgia, filosofia e magia, esta é a 7ª arte em estado puro.


#4


Her – 2013 – Spike Jonze

Doce… Tão doce. Uma obra-prima original que transborda emoção por todos os frames. Spike Jonze, Joaquin Phoenix e Scarlett Johasson (outra vez!!) são dos melhores profissionais a trabalhar em Hollywood: e no entanto este não é um projecto concebido num seio profissional. Pelo menos não o sinto como tal. Este é um filme que simples palavras não conseguem narrar. É como descrever uma paixão: há certas palavras, certos elementos que te dão uma ideia… Mas a experiência é a única maneira de a conheceres. E é doce… Tão doce. A crítica a este filme pode ser lida aqui.


#3


The Wolf of Wall Street – 2013 – Martin Scorcese

Eu chorei no cinema: de riso. Tenho a certeza de que as minhas gargalhadas afugentaram várias pessoas da sala, mas eu não me conseguia conter. Desde o primeiro minuto que este filme me conquistou e não tinha dúvidas que iria ficar no pódio. O que é que posso dizer que ainda não tenha sido dito? DiCaprio é electrizante, Jonah (é) Hill(ariante), Margot Robbie é um knock-out instantâneo, Martin Scorcese volta FINALMENTE às raízes e o resultado é um dos melhores filmes da década. Bruto, alucinado mas coerente. A crítica a este filme pode ser lida aqui.


#2


The Red Shoes – 1948 – Michael Powell & Emeric Pressburger

As cores. A luz. A história. A música. A edição. A dança. As interpretações. Tudo é de uma mestria e arte impossíveis de mimicar. Passados quase 70 anos desde a sua estreia, este continua a ser um clássico imperdível que grita por reconhecimento. Scorcese, DePalma e Coppola consideram-no um dos melhores filmes de todos os tempos: e não é difícil perceber o porquê. Tudo funciona em prol da história e das personagens, nada é deixado ao acaso. Um bailado hipnótico, duas paixões e uma mulher dividida. Toda a magia, todo drama e toda uma perfeição que já não existe no cinema contemporâneo. A melhor cena deste filme foi analisada aqui.


#1


La vie d’Adèle – 2013 – Abdellatif Kechiche

Quando vi La vie d’Adèle pela primeira vez não consegui perceber o porquê de tanto chinfrim. Sim, está bem realizado. Sim, as interpretações são autênticas: mas isso nunca foi motivo para se canonizar um filme… Só que ela ficou comigo. O seu sorriso, o seu cabelo, os seus olhos, os seus sonhos, os seus medos: e sim, até o seu ranho e a sua baba. Quanto mais tempo passava mais vívida a memória se tornava. E porquê? Simples: porque a Adèle existe. Ela vive e respira, ela é uma pessoa real. Isto não é um filme, é uma vida extraordinária a ser criada e explorada à nossa frente: “a vida de Adèle”. A 7ª arte foi transcendida: ela é nossa e nós somos dela. Para sempre. A melhor cena deste filme foi analisada aqui.