sábado, 8 de novembro de 2014

Crítica - Interstellar - 2014 - Christopher Nolan

Sempre gostei de viajar, e hoje, por apenas 4€, fui até outra galáxia e voltei. Pelo meio aprendi segredos obscuros, senti-me enjoar, flutuar, sufocar, desesperar e… Eu nem sei. Estou meio zonzo. Já tentei dormir e não consegui.


Na minha terra chama-se a isto «o efeito Nolan». Parabéns Chris, you did it again.
«Interstellar» conta a história de Cooper (Matthew McConaughey), um pai de família que terá de abandonar a Terra em busca de um planeta onde a humanidade possa prosperar. E ficamos por aqui em termos de sinopse.
Se leram a minha crítica a «The Place Beyond the Pines», sabem que adoro filmes que se enquadrem em vários planos da 7ª arte. Filmes que comecem subtis e que pelo meio nos façam perder nos meandros da realidade. Parece-me justo dizer que «Interstellar» é exactamente esse tipo de filme: com início familiar e confortável, desenrola-se de forma caótica e descontrolada.





E de certa forma essa é a melhor e a pior faceta do filme.
Matthew McConaughey não é o melhor actor da sua geração, mas tem, sem dúvida, calibre para figurar entre os melhores. Quando a realização falha, é a sua performance que conduz o enredo. Não o sentes como um «escolhido», ou o profeta da civilização que a todos salvará: muito pelo contrário. É um homem que desde o primeiro momento sabemos ter falhas, e pouco faz para as superar: como tu, como eu. E dadas as circunstâncias extraordinárias em que é colocado, identificamo-nos com o seu horror, agitação e, sobretudo, saudade.
Aquele sentimento tão português…


A relação de Cooper com a sua filha Murph (Mackenzie Foy) é um dos elos mais emocionais e ternurentos de que há memória: e tanto o realizador como os actores (por favor não retire as próximas duas palavras de contexto) deram tudo na esperança de exacerbar essa relação. Sabiam que toda a estrutura do filme assentava nessa relação, e sem ela, não existiria nada.
Nada é tudo.
Tudo o que existe no espaço e para lá dele é de uma construção magnífica. Facilmente te esqueces que estás a ver efeitos especiais, e, por muito tempo, podes até esquecer-te de que estás a ver um filme. Houve um momento, que durou algumas dezenas de segundos, em que me senti verdadeiramente enjoado e sem gravidade. Creio que inclusivamente me inclinei involuntariamente para não perder o equilíbrio na cadeira. É esse o grau de realismo.



Tragam «2001: A Space Odissey» e coloquem-no lado a lado com «Interstellar»: em termos de construção técnica têm o mesmo ADN. Obviamente que Nolan presta homenagem à obra-prima do Mestre mais do que uma vez ao longo dos 169 minutos de filme. Obviamente que, tendo os filmes quase 50 anos de diferença, as rupturas visuais vão ser significativas. Mas o espanto consiste no quão a experiência, embora totalmente diferente, seja a mesma.
Será mesmo esta a sensação de deixar a nossa dimensão?
Isto porque a dimensão das ideias que constroem a trama é messiânica: alicerçadas nos estudos científicos de Kip Thorne e Carl Sagan, a sala escura torna-se numa catedral de conhecimento, onde uma perspectiva transcendental do Universo é oferecida. Admito que por vezes foi difícil acompanhar toda a gíria científica, mas puxar um pouco pela massa cinzenta, neste caso, é muito recompensador: o precipício do tempo e espaço materializa-se na tua mente e, talvez, nunca mais olhes para o relógio da mesma forma.
Dito isto, resta-me concluir que:
- a fotografia de Hoyte Van Hoytema (na sua primeira colaboração com o realizador) é estupenda: muito mais humana e emocionalmente ressonante do que a de Wally Pfister;

-trabalho espetacular a nível sonoro. Tem que ser visto no cinema para ser propriamente

 experienciado;

- existe humor em doses saudáveis, principalmente debitadas por robôs (!) ;
- todo o elenco secundário fez um trabalho satisfatório.
E porquê este último tratamento mais frio? Porque «Interstellar», apesar de ser uma carta apaixonada ao cinema da imaginação, treme na sua caligrafia.
Embora seja uma abordagem diferente e interessante, os irmãos Nolan escrevem um argumento que tenta explicar cientificamente coisas que não podem ser explicadas. Sim, dentro do contexto do filme faz sentido: mas quando é suposto criarmos e percebermos determinadas ligações emocionais não é com palavreado tirado de um livro de física quântica que isso vai acontecer.


Muito menos com aquele pedaço de m*rda a aparecer a meio do filme!
Deixando sentimentos pessoais de lado, aproveito a deixa para dizer que existem algumas surpresas no filme: umas boas, outras más. Há, contudo, certas personagens que tomam atitudes um pouco fora do contexto, não se conseguindo completamente compreender o porquê. E a história perde credibilidade…
Mas são detalhes… Pontas soltas que ficaram por atar. A própria realização de Nolan parece sofrer do mesmo mal: alguns planos não ajudam o enredo e perlongam-se inutilmente, enquanto outros carecem do mesmo tratamento.
São ninharias, mas minam o campo de trigo, onde todos corremos em slow-motion acompanhados pela belíssima banda-sonora de Hans Zimmer.
«Interstellar» não é perfeito. A sua ambição desmedida conduziu a uma falta de atenção aos detalhes: algo que sempre caracterizou as obras do realizador britânico.
 


Dito isto, «Interstellar» é, contudo, um filme obrigatório. Combinando a criatividade artística de um dos maiores génios cinematográficos do séc. XXI, com um valor de produção apenas acessível à elite de Hollywood, esta é uma experiência como há muito não se via no cinema:  provavelmente desde 2010, quando um certo «lobinho» andava a tentar entrar em sonhos alheios. Falo, claro, de «Inception», do mesmo realizador.
«Interstellar» é grande. É ambicioso. É inspirador. Inteligente. «Interstellar» é mais filme que «Gravity». No entanto, são duas películas que, embora tenham o espaço como pano de fundo, se encaixam em géneros completamente distintos.

Se o objectivo de «Gravity» era entreter-te, o ojectivo de «Interstellar» é mudar a tua vida. E pelo preço de um bilhete, acho que vale a pena dares-lhe uma hipótese.


E é com isto em mente que Simon Says that this movie is…


 

2 comentários:

  1. Excelente crítica. Principalmente o final. Realmente é um filme para mudar a vida.

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  2. Este filme, tal como o Inception, fazem-nos pensar. Embora estes dois filmes do realizador tenham histórias complicadas, muita acção, efeitos especiais deslumbrantes, no final o que prevalece são as questões da alma. Como é que um filme de sci-fi consegue ser sobre o amor? Não é nada óbvio, é intrigante e é genial. Aqui a história principal é só um conjunto de "fait divers" que servem de trampolim para chegar ao que é realmente importante. O romance tinha que ser reinventado e este senhor (Christopher Nolan) fá-lo de uma forma subtil e tão inteligente! Este senhor é um génio e eu aguardo sempre em pulgas pelo próximo filme:)

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