A arena é um círculo
imperfeito. A arena é um campo de batalha com memórias cravadas na pedra e
acordes reminiscentes dos “verdes anos”. A arena é sangue, suor, tinta e urina.
Há filmes que tentam ser
metáforas e perdem o movimento. Muitos filmes movem-se com tanta rapidez que
esquecem as metáforas. Arena, a multipremiada curta-metragem de João Salaviza,
é uma metáfora em constante movimento.
Mauro (Carloto Cotta) tem
uma pulseira electrónica. Num dia de calor, três miúdos entram-lhe em casa,
espancam-no e roubam-lhe o dinheiro. Se o fizeram por parvoíce ou por
necessidade nunca fica completamente explicito: mas explicito fica que são
parvos necessitados.
A premissa pode fazer
Arena soar a um revenge-flick “com esparguete”: e na superfície apresenta
alguns desses elementos. Um homem de poucas palavras. Um vilão com um feitio
difícil e algo do qual se queixa. O sol abrasador. O dinheiro. Estará o
Portugal contemporâneo transformado no velho oeste?
Será Arena o Do The Right
Thing português? Até certo ponto: mas Salaviza conduz a orquestra de forma
muito mais focada que o clássico suburbano de Spike Lee. Onde o americano
mostra uma hiper-realidade, o português mostra detalhes. Breves subtilezas (olhares,
toques, movimentos, silêncios) que deixam mil e uma histórias para o espectador
absorver vezes e vezes sem conta.
O título conta-nos tanto
acerca da narrativa como as próprias personagens: cada plano, cada movimento
corporal e cada palavra disparada pelos atores tem uma violência irrefutável. É
impossível não pensar nos gladiadores de outrora ou nos atuais lutadores de
mixed martial-arts: um público atento aos golpes, aos gritos e aos espasmos
implorativos. Nós: o público.
Resume-se tudo a um acumular
e a um libertar. Acção-Reacção. Lisboa é sangue em ponto de ebulição. A cidade
existe para ser contada: e Arena fá-lo. Cada prédio, cada ponte, cada rampa são
mostrados de forma orgânica: como se todos os metros quadrados de cimento
tivessem originado da mente do realizador, qual Inception.
E existe algo de Kubrick
nesta curta-metragem. O lendário realizador era temido pelo meticuloso controlo
que exercia sobre cada detalhe das suas obras: e embora as rédeas criativas de
Salaviza sejam claras, a naturalidade com que cada uma delas surge no ecrã não
deixa dúvidas. Arena é movido à luz de uma realidade bem presente: não de uma
qualquer ficção.
Para quem matemática
simplifica as coisas: Do The Right Thing + Barry Lyndon = Arena.
Não é preciso hiphop de
intervenção ou música clássica: a testosterona fala alto o suficiente para nos
preencher o ritmo da acção. Não é preciso um clímax hollywoodesco: afinal de
contas um gladiador só quer ver a luz do dia mais uma vez. Não é preciso Lee
Van Cleef com um mortal bigode para nos intimidar: um puto chamado Alemão
(curioso…) é o suficiente para deixar o público de pé atrás e Mauro no chão.
Embora saibamos à partida
que o protagonista terá feito algo de deplorável, Carloto Cotta consegue
transmitir um ar de amigabilidade quase inocente. Se a narrativa já nos fazia
torcer por ele, o ator é responsável pela credibilidade e confiança que
depositamos no “herói”. Estamos com ele na sua missão até ao fim: dê por onde
der.
Porque todos precisamos
de uma missão.
Pode não ser chegar à lua,
pode não ser ganhar um prémio em Cannes. Pode até nem ser aquela tatuagem que
sempre desejámos mas a mãe não deixou fazer (e que rebeldes seríamos se a
tivéssemos feito). Pode simplesmente ser o facto de termos visto um filme
português. Um BOM filme português: daqueles que não tem vergonha e dos quais
nós não temos vergonha.
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