quinta-feira, 11 de junho de 2015

Crítica - Arena - 2009 - João Salaviza


A arena é um círculo imperfeito. A arena é um campo de batalha com memórias cravadas na pedra e acordes reminiscentes dos “verdes anos”. A arena é sangue, suor, tinta e urina.

Há filmes que tentam ser metáforas e perdem o movimento. Muitos filmes movem-se com tanta rapidez que esquecem as metáforas. Arena, a multipremiada curta-metragem de João Salaviza, é uma metáfora em constante movimento.

Mauro (Carloto Cotta) tem uma pulseira electrónica. Num dia de calor, três miúdos entram-lhe em casa, espancam-no e roubam-lhe o dinheiro. Se o fizeram por parvoíce ou por necessidade nunca fica completamente explicito: mas explicito fica que são parvos necessitados.



A premissa pode fazer Arena soar a um revenge-flick “com esparguete”: e na superfície apresenta alguns desses elementos. Um homem de poucas palavras. Um vilão com um feitio difícil e algo do qual se queixa. O sol abrasador. O dinheiro. Estará o Portugal contemporâneo transformado no velho oeste?

Será Arena o Do The Right Thing português? Até certo ponto: mas Salaviza conduz a orquestra de forma muito mais focada que o clássico suburbano de Spike Lee. Onde o americano mostra uma hiper-realidade, o português mostra detalhes. Breves subtilezas (olhares, toques, movimentos, silêncios) que deixam mil e uma histórias para o espectador absorver vezes e vezes sem conta.

O título conta-nos tanto acerca da narrativa como as próprias personagens: cada plano, cada movimento corporal e cada palavra disparada pelos atores tem uma violência irrefutável. É impossível não pensar nos gladiadores de outrora ou nos atuais lutadores de mixed martial-arts: um público atento aos golpes, aos gritos e aos espasmos implorativos. Nós: o público.



Resume-se tudo a um acumular e a um libertar. Acção-Reacção. Lisboa é sangue em ponto de ebulição. A cidade existe para ser contada: e Arena fá-lo. Cada prédio, cada ponte, cada rampa são mostrados de forma orgânica: como se todos os metros quadrados de cimento tivessem originado da mente do realizador, qual Inception. 

E existe algo de Kubrick nesta curta-metragem. O lendário realizador era temido pelo meticuloso controlo que exercia sobre cada detalhe das suas obras: e embora as rédeas criativas de Salaviza sejam claras, a naturalidade com que cada uma delas surge no ecrã não deixa dúvidas. Arena é movido à luz de uma realidade bem presente: não de uma qualquer ficção.




Para quem matemática simplifica as coisas: Do The Right Thing + Barry Lyndon = Arena.

Não é preciso hiphop de intervenção ou música clássica: a testosterona fala alto o suficiente para nos preencher o ritmo da acção. Não é preciso um clímax hollywoodesco: afinal de contas um gladiador só quer ver a luz do dia mais uma vez. Não é preciso Lee Van Cleef com um mortal bigode para nos intimidar: um puto chamado Alemão (curioso…) é o suficiente para deixar o público de pé atrás e Mauro no chão.

Embora saibamos à partida que o protagonista terá feito algo de deplorável, Carloto Cotta consegue transmitir um ar de amigabilidade quase inocente. Se a narrativa já nos fazia torcer por ele, o ator é responsável pela credibilidade e confiança que depositamos no “herói”. Estamos com ele na sua missão até ao fim: dê por onde der.



Porque todos precisamos de uma missão.

Pode não ser chegar à lua, pode não ser ganhar um prémio em Cannes. Pode até nem ser aquela tatuagem que sempre desejámos mas a mãe não deixou fazer (e que rebeldes seríamos se a tivéssemos feito). Pode simplesmente ser o facto de termos visto um filme português. Um BOM filme português: daqueles que não tem vergonha e dos quais nós não temos vergonha.

Porque se tivéssemos, fugíamos e deixávamos de acreditar. Mas nós ainda aqui estamos: no telhado, ao sol, a apreciar a vista. À espera do melhor que ainda está para vir.

Simon Says that this movie is...




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