domingo, 16 de março de 2014

Crítica – Prisoners – 2013 – Denis Villeneuve

Numa das melhores cenas do filme, dá-se um acontecimento tremendamente horrível e inesperado. O meu queixo caiu e exclamei em voz alta: «Fuck…». Qual não é o meu espanto quando meio segundo depois a personagem de Jack Gyllenhaal, exactamente com o mesmo tipo de expressão que eu, exclama em voz alta: «Fuck…».

Esse é o nível de realismo sentimental que «Prisoners» cria: nós somos e sentimo-nos como as personagens.

No dia de Acção de Graças, as filhas mais novas de dois casais desaparecem. Um jovem detective (Gyllenhaal) é encarregue do caso. Se isto vos soa a um episódio de CSI têm toda a razão: mas isso seria o mesmo que comparar «Avatar» a um episódio dos «Smurfs».

O título original não se refere apenas às crianças: todos os envolvidos nesta situação são prisioneiros.

Uns espiritual, outros moralmente.

O pai de uma das crianças (Hugh Jackman) procura-as incessantemente, ignorando o trabalho e esforços da polícia. Imensamente religioso, crê na divisa «Reza pelo melhor, prepara-te para o pior», segundo a qual fora educado. Esta frase sugere a questão que nos assombra todo o filme:

Onde está a barreira que divide o bem do mal? A busca por uma resposta tortura-nos, murro atrás de murro na nossa consciência, deixando-nos embebidos no nosso próprio sangue.

«Les Misérables» foi o filme que levou Jackman pela primeira vez aos Óscares: mas «Prisoners» é o filme que o consagra como um dos grandes actores da sua geração, ecoando Sean Penn e Al Pacino na sua performance comovente e furiosa.

Desde cedo que o principal suspeito, um Paul Dano mentalmente distorcido e arrepiante, é solto por falta de provas. E com ele, é também solta uma raiva apocalíptica dentro do pai da raptada, que acabará por dilacerar qualquer vestígio de sanidade que lhe restasse.

E pobrezinho do Dano: parece que não consegue passar um filme sem levar um enxerto de porrada.



O realizador canadiano, Denis Villeneuve (Incendies), não cai no erro de tornar o seu projecto num filme de acção ao estilo de «Taken». As ambiguidades e metáforas que suportam a estrutura da história principal (os labirintos, as cobras, o álcool e as tatuagens de Gyllenhaal) tomam conta da nossa imaginação, criando uma espécie de ritual religioso, onde «adoramos» os «heróis» que buscam nelas a verdade.

O Inverno filmado pelo director de fotografia Roger Deakins (Skyfall, No Country for Old Men) acentua ainda mais o frio e vazio que sentimos por dentro, dando uma matriz épica a esta história tão pessoal.

Mas apesar de todas as tretas técnicas que eu possa debitar, o que te agarra e prende ao ecrã é a tensão. A constante sensação que as miúdas podem ser encontradas a qualquer instante, ou que qualquer um dos pais (Terrence Howard, Viola Davis e Maria Bello, todos magníficos) pode entrar em queda livre, é massacrante para nós, público.

Somos impotentes, restando-nos persistir e rezar com a ténue esperança de uma solução divina:

«Perdoai-nos as nossas ofensas
Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido…»

Gyllenhaal, para mim, trás uma outra dimensão ao filme. Contrastando com a personagem impulsiva de Jackman, o detective emana uma fúria enclausurada por burocracias e racionalidade, que o fazem ultrapassar o limite emocional humano. Longe do seu cowboy homossexual de «Brokeback Mountain», este é um actor que não se prende a rótulos, enchendo o seu currículo com clássico atrás de clássico em géneros completamente distintos.

«Prisoners» é um filme de mistério como à muito tempo não via: uma mistura entre «Mystic River» de Clint Eastwood, «Se7en» de David Fincher e «Winter’s Bone» de Debra Granik.



Avé a todos os intervenientes, porque não tiveram medo de nos mostrar a sua paixão pela arte do cinema e pelo espirito humano: e quem ganha com tudo isto somos nós. Não fosse pela sua premissa já «mastigada» demais pela televisão americana, estaria aqui a descrever um marco histórico da 7ª arte.

Não obstante, fica aqui aconselhado para (por favor cante a próxima palavra) thriller do vosso fim-de-semana, por toda a envolvência e mensagem humanista que apresenta. Meus amigos, Simon Says that this movie is a...




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